O presente estudo conceptual, orientado por bases científicas, foi desenvolvido numa estreita relação com a academia, no âmbito de investigação de projecto em Urbanismo Sustentável, com o intuito de debater uma visão estratégica de futuro para a resiliência da frente ribeirinha de Lisboa face aos desafios emergentes das alterações climáticas.
A relação da cidade de Lisboa com o rio é ancestral. Mas, no dias de hoje, o risco de inundações que lhe está inerente, deverá ser encarado não como um problema, mas antes como uma oportunidade para a reapropriação da água pela cidade que, em conjunto com a criação de espaços verdes públicos, poderá permitir não só a criação de oportunidades de recreio e lazer mas, também, o reavivar de ecossistemas e biodiversidade na área, e a sua resiliência face às vulnerabilidades inerentes ao seu contexto territorial.
As frentes de água são consideradas fundamentais para o desenvolvimento de experiências urbanas inovadoras, tendo em consideração a posição central que assumem nos territórios onde se inserem e os passivos ambientais que, na maioria das vezes, apresentam. Desde o período pós-industrial que diversas transformações de regeneração e revitalização de brownfields portuários têm produzido, nestes espaços obsoletos e desvinculados do tecido urbano, novas lógicas urbanas funcionais e diferenciados usos que potenciam uma multiplicidade de benefícios.
Esta relação, mais contemporânea, entre a cidade e as frentes de água tem ganho maior relevância tendo em vista, por um lado, a aproximação da população para novas centralidades qualificadas e ambientalmente regeneradas como, por outro, a protecção costeira e todas actividades que na cidade ocorrem, infraestruturas e edifícios que se encontrem mais vulneráveis à subida do nível médio das águas do mar, nomeadamente quanto “(…)ao nível do seu funcionamento ecológico, quer nas atividades humanas diárias e estruturas edificadas e nas infraestruturas, enquanto dimensões que o compõem” (EMMAC,2016).
Apoiada em literatura científica específica sobre o tema das alterações climáticas e os seus impactos nas frentes de água, a proposta de regeneração para a frente ribeirinha que se localiza na zona oriental da cidade resulta num entendimento entre a cenarização de eventos extremos e mudanças no clima e a interpretação dos resultados alcançados sobre os efeitos dessas mesmas alterações no território em análise. Importa referir a importância da análise do projecto “Estuários e Deltas Urbanizados. Contributos para um Planeamento e Gestão Integrados. O Caso de Lisboa” (Costa, 2013), no qual foi produzido conhecimento científico em torno desta problemática, tendo por base o desenvolvimento de diversos cenários relativamente ao risco de inundação da frente ribeirinha de Lisboa, como resultado da definição de vários tipping points. Com base na metodologia “What if?” e tendo como referência o horizonte temporal até 2100, com uma subida do nível médio das águas do mar (NMM) até ao tipping point de 4,50 m, estabeleceu-se o plano urbano que propõe a implementação do Parque Ecológico Tejo.
Segundo o IPCC (2013), a partir da segunda metade do século XX têm-se observado alterações extremas de fenómenos climáticos. Refere ainda que com uma probabilidade de 66% – 100%, que as chuvas torrenciais aumentaram em muitas regiões do planeta e que níveis do mar extremos (como aqueles observados em storm surges) aumentaram desde 1970, resultando principalmente da subida do NMM (Fernandes et al, 2017). Como resultado, o risco de ocorrência de inundações constitui um factor crítico das alterações climáticas na frente ribeirinha de Lisboa, para o qual contribuem diversos factores: i) Subida do nível médio das águas do mar (SNM); ii) Sobrelevação meteorológica; iii) Efeito de cheias progressivas no Tejo; iv) Inundações rápidas no meio urbano envolvente; v) Efeito de marés vi) Ondulação (Ribeiro, 2017).
Tendo em vista a concretização de um conjunto de acções ambientais e climáticas no âmbito das políticas europeias, do Pacto Ecológico Europeu e da Estratégia Municipal de Adaptação às Alterações Climáticas, a transformação que se propõe para a área de intervenção assenta em quatro princípios estratégicos que definirão a resiliência urbana aos riscos futuros através da implementação de uma Infraestrutura verde que integra um conjunto de serviços:
(i) Acção climática – Apropriação regenerativa de zona portuária / industrial, como modelo de desenvolvimento urbano ecológico para protecção costeira e adaptação do território às imprevisibilidades das alterações climáticas, nomeadamente quanto à subida do nível das marés.
(ii) Circularidade – Regeneração urbana potenciando, por um lado, a relação física e o prolongamento da cidade com a frente de rio e, por outro, o desenvolvimento sustentável, numa perspectiva de circularidade, resiliência e inovação urbana.
(iii) Habitat Natural – Reapropriação da água pela cidade e criação de uma rede de espaços verdes públicos que integra um sistema de mobilidade sustentável, permitindo o restabelecimento de ecossistemas e biodiversidade através de paisagens contemplativas e produtivas.
(iv) Vivência Urbana – Desenvolvimento de programa multifuncional que potencie a relação da cidade com a frente de rio e crie um conjunto de espaços e formas urbanas com diferentes usos, numa relação entre habitat construído e habitat natural.
A intervenção nesta frente costeira, através de aterros, permitirá dar resposta à problemática em análise através da incorporação de Natural Climate Solutions (NCS) e de ações de conservação, regeneração e melhor gestão do solo que aumentem o armazenamento de carbono e/ou evitem as emissões de gases de efeito estufa. As NCS, portanto, desempenham um papel na prevenção/redução de emissões, através da restauração de ecossistemas de zonas húmidas terrestres como ponto de partida para a mitigação climática (World Economic Forum, 2021). De acordo com o World Economic Forum (WEF, 2021), as zonas húmidas costeiras são elementos naturais fundamentais para a absorção da energia das ondas, redução dos danos causados pelas inundações, possibilitando a proteção contra tempestades.
A definição da forma urbana e a sua articulação com as diversas funções programáticas teve como ponto de partida a análise de sistemas naturais através da aplicação do conceito de Biomimética (Bio – Vida + Mimesis – Imitação), criado pela bióloga Janine Benuys, em 1997 com a publicação do livro Biomimicry : Innovation Inspired by Nature. Benuys definiu a Biomimética como uma “nova disciplina que estuda as melhores ideias da natureza e então replica esse design e processos para solucionar os problemas humanos”, considerando uma “inovação inspirada pela natureza”. Este conceito foi aplicado na área de intervenção segundo os princípios – REPLICAR, INTEGRAR, COMBINAR, CONECTAR E ADAPTAR – resultando numa rede de espaços verdes que incorporam um programa multifuncional interconectado por uma rede de percursos. A aplicabilidade de tais pressupostos e a inspiração em sistemas biológicos, conjugados com um planeamento de base natural, potenciam uma multiplicidade de benefícios resultando na regeneração deste território.